terça-feira, 16 de março de 2010

Retribuição - PARTE IX

Até que, um dia, a espantosa notícia de que a mãe de Connie deixara seu marido e de que iriam divorciar-se. Claro, que, nesse momento, sofri a primeira taquicardia em meses. Imagine - meus pais brigavam mais que Pafúncio e Marocas e ficaram juntos a vida inteira. Já os pais de Connie bebericavam martinis entre uma e outra frase de efeito, civilizadíssimos e, de repente - pimba! - divorsiavam-se!
Minha estratégia agora era óbvia. Trader Vic's de novo! Já não haveria obstáculos entre eu e Emily. Embora ainda parecesse estranho, já que eu tinha namorado Connie há tão pouco tempo, a situação não mais oferecia as insuperáveis dificuldades do passado. Éramos agora frilas na vida. Meus sentimentos adormecidos por Emily Chasen incidiaram-se novamente. Era possível que uma cruel brincadeira do destino tivesse arruinado minha relação com Connie, mas nada mais se interporia no meu caminho para conquistar sua mãe.
No auge da excitação, liguei para Emily e marcamos um encontro. Três dias depois, estávamos novamente aconchegados num cantinho do restaurante polinésio, com apenas três drinques daqueles pesados, ela abriu o coração sobre seu descasamento. Quando chagou à parte sobre as possibilidades de uma nova vida, eu a beijei. Sim, ela ficou um pouco surpresa, mas não gritou. Confessei meus sentimentos a seu respeito e beijei-a de novo. Pareceu confusa, mas não virou a mesa sobre mim. No terceiro beijo, eu já sabia que ela sucumbiria. Ela partilhava os meus sentimentos. Levei-a a meu apartamento e fizemos amor. Na manhã seguinte, quando os efeitos do álcool haviam se dissipado, ela ainda me parecia maravilhosa e fizemos amor outra vez.
''Quero me casar com você'', eu disse, com os olhos cheios de adoração.
''Não brinque'', ela respondeu.
''Não estou brincando e não deixo mais barato'', insisti.
Tomamos café da manhã, entre beijos e planos para o futuro. Naquele mesmo dia, fui dar a notícia a Connie, preparado para uma reação que não chegou a acontecer. Esperava que ela morresse de rir ou ficasse puta da vida, mas o fato é que Connie tirou a coisa de letra. Ela própria estava levando uma agitada vida social, saindo com um bando de homens, cada qual mais atraente, e andava preocupada com o futuro de sua mãe desde que esta se divorciara. De repente, um respeitável jovem saía das sombras para cuidar da dama. Alguém que ainda mantinha um belo relacionamento com ela, Connie. Não era uma sorte? O sentimento de culpa que Connie ainda alimentava a meu respeito acabaria. Emily ficaria feliz. Eu ficaria feliz. Donde, por que não Connie levar a coisa na maior, como aliás, se esperava de sua criação?
Meus pais, por outro lado, correram diretamente para a janela de seu apartamento no 10ª andar e brigaram para ver quem saltava primeiro.
''Nunca ouvi nada parecido'', gemeu minha mãe, retorcendo seu roupão e trincando os dentes.
''Ele está louco. É um idiota!'', grunhiu meu pai, pálido e com sufocações.
''Uma shiksa de 55 anos?!'', grasnou tia Rose, empunhando uma espátula e apontando-a contra seus próprios olhos.
''Mas eu a amo'', protestei.
''Ela tem mais que o dobro de sua idade'', berrou tio Louie.
''E daí?''
''É contra a lei!'', berrou meu pai, invocando o Torá.
''Vai se casar com a mãe da namorada?'', ganiu tia Tillie, um segundo antes de desmaiar.
''Uma shiksa de 55 anos'', uivou minha mãe, vasculhando os bolsos em busca de uma cápsula de cianureto que tinha reservado para tais ocasiões.
''Quem é ela? Uma marciana? Ela o hipnotizou?'', perguntou tio Louie.
''Idiota! Imbecil!'', trovejou papai. Tia Tillie recobrou a consciência, olhou-me bem nos olhos e desmaiou novamente. No outro lado da sala, tia Rose estava de joelhos, entoando o Sh'ma Yisroel.
''Deus vai te castigar, Harold'', rogou papai. ''Prenderá a sua língua contra o céu da boca, fará morrer todo o seu gado, secará um décimo da sua colheita e...''
O fato é que me casei com Emily e não houve suicídios.

Woody Allen ''A liberdade é o oxigênio da alma.''

Um comentário:

Marília Lage. disse...

Ele se casou com ela? Af. u_u
Ok, posta mais! (;