domingo, 5 de setembro de 2010

Retribuição - FINAL

Os três filhos de Emily compareceram, além de uns dez ou quinze amigos. O evento se deu no apartamento de Connie, e champanhe correu como água. Meus pais não puderam comparecer, já que estavam previamente compromissados com o sacrifício de um carneiro. Dançamos, rimos muito e tudo correu otimamente. Em certo momento, vi-me sozinho no quarto com Connie. Brincamos um com o outro, recordando nossa relação, os altos e baixos, e como eu tinha sido sexualmente louco por ela.
''Foi gratificante'', ela admitiu, calorosamente.
''Pois é. como não deu certo com a filha, capturei a mãe.''
Bem, o que aconteceu em seguida foi que Connie enfiou sua língua inteira em minha boca. Quando consegui liberar minha própria língua, só pude dizer:
''Que diabo é isso? Está bêbada?''
''Você me provoca um tesão que nem imagina'', ela disse, me arrastando para a cama.
''O que deu em você? Virou ninfomaníaca?'', protestei, levantando-me, mas inegavelmente excitado por aquela súbita agressividade.
''Tenho que ir para cama com você. Se não agora, o mais depressa possível.''
''Comigo? Harold Cohen? O cara que viveu com você? E que te amou? E que não podia nem encostar em você? Aquele que virou uma espécie de versão falsificado do seu irmão Danny? O símbolo do seu irmão?''
''Agora é diferente'', disse Connie, agarrando-se a mim. ''Casando-se com a minha mãe, você se tornou o meu pai.'' Beijo-me de novo e, um segundo antes de voltar para a festa, sentenciou: Não se preocupe, papai. Haverá mais oportunidades...''
E voltou para a sala.
Sentei-me na cama e olhei pela janela, em direção ao espaço infinito. Pensei em meus pais e me perguntei se deveria abandonar a mania de escrever para o teatro e me tornar rabino. Pela porta entreaberta, vi Connie e Emily, ambas rindo para os convidados e, ao me olhar no espelho, só consegui murmurar para mim mesmo uma velha expressão de meu avô, significando aproximadamente ''Que loucura...''

Woody Allen ''Que loucura!''

terça-feira, 16 de março de 2010

Retribuição - PARTE IX

Até que, um dia, a espantosa notícia de que a mãe de Connie deixara seu marido e de que iriam divorciar-se. Claro, que, nesse momento, sofri a primeira taquicardia em meses. Imagine - meus pais brigavam mais que Pafúncio e Marocas e ficaram juntos a vida inteira. Já os pais de Connie bebericavam martinis entre uma e outra frase de efeito, civilizadíssimos e, de repente - pimba! - divorsiavam-se!
Minha estratégia agora era óbvia. Trader Vic's de novo! Já não haveria obstáculos entre eu e Emily. Embora ainda parecesse estranho, já que eu tinha namorado Connie há tão pouco tempo, a situação não mais oferecia as insuperáveis dificuldades do passado. Éramos agora frilas na vida. Meus sentimentos adormecidos por Emily Chasen incidiaram-se novamente. Era possível que uma cruel brincadeira do destino tivesse arruinado minha relação com Connie, mas nada mais se interporia no meu caminho para conquistar sua mãe.
No auge da excitação, liguei para Emily e marcamos um encontro. Três dias depois, estávamos novamente aconchegados num cantinho do restaurante polinésio, com apenas três drinques daqueles pesados, ela abriu o coração sobre seu descasamento. Quando chagou à parte sobre as possibilidades de uma nova vida, eu a beijei. Sim, ela ficou um pouco surpresa, mas não gritou. Confessei meus sentimentos a seu respeito e beijei-a de novo. Pareceu confusa, mas não virou a mesa sobre mim. No terceiro beijo, eu já sabia que ela sucumbiria. Ela partilhava os meus sentimentos. Levei-a a meu apartamento e fizemos amor. Na manhã seguinte, quando os efeitos do álcool haviam se dissipado, ela ainda me parecia maravilhosa e fizemos amor outra vez.
''Quero me casar com você'', eu disse, com os olhos cheios de adoração.
''Não brinque'', ela respondeu.
''Não estou brincando e não deixo mais barato'', insisti.
Tomamos café da manhã, entre beijos e planos para o futuro. Naquele mesmo dia, fui dar a notícia a Connie, preparado para uma reação que não chegou a acontecer. Esperava que ela morresse de rir ou ficasse puta da vida, mas o fato é que Connie tirou a coisa de letra. Ela própria estava levando uma agitada vida social, saindo com um bando de homens, cada qual mais atraente, e andava preocupada com o futuro de sua mãe desde que esta se divorciara. De repente, um respeitável jovem saía das sombras para cuidar da dama. Alguém que ainda mantinha um belo relacionamento com ela, Connie. Não era uma sorte? O sentimento de culpa que Connie ainda alimentava a meu respeito acabaria. Emily ficaria feliz. Eu ficaria feliz. Donde, por que não Connie levar a coisa na maior, como aliás, se esperava de sua criação?
Meus pais, por outro lado, correram diretamente para a janela de seu apartamento no 10ª andar e brigaram para ver quem saltava primeiro.
''Nunca ouvi nada parecido'', gemeu minha mãe, retorcendo seu roupão e trincando os dentes.
''Ele está louco. É um idiota!'', grunhiu meu pai, pálido e com sufocações.
''Uma shiksa de 55 anos?!'', grasnou tia Rose, empunhando uma espátula e apontando-a contra seus próprios olhos.
''Mas eu a amo'', protestei.
''Ela tem mais que o dobro de sua idade'', berrou tio Louie.
''E daí?''
''É contra a lei!'', berrou meu pai, invocando o Torá.
''Vai se casar com a mãe da namorada?'', ganiu tia Tillie, um segundo antes de desmaiar.
''Uma shiksa de 55 anos'', uivou minha mãe, vasculhando os bolsos em busca de uma cápsula de cianureto que tinha reservado para tais ocasiões.
''Quem é ela? Uma marciana? Ela o hipnotizou?'', perguntou tio Louie.
''Idiota! Imbecil!'', trovejou papai. Tia Tillie recobrou a consciência, olhou-me bem nos olhos e desmaiou novamente. No outro lado da sala, tia Rose estava de joelhos, entoando o Sh'ma Yisroel.
''Deus vai te castigar, Harold'', rogou papai. ''Prenderá a sua língua contra o céu da boca, fará morrer todo o seu gado, secará um décimo da sua colheita e...''
O fato é que me casei com Emily e não houve suicídios.

Woody Allen ''A liberdade é o oxigênio da alma.''

segunda-feira, 15 de março de 2010

Minha Namorada.

Meu poeta eu hoje estou contente
Todo mundo de repente ficou lindo
Ficou lindo de morrer
Eu hoje estou me rindo
Nem eu mesma sei de que
Porque eu recebi
Uma cartinhazinha de você
Se você quer ser minha namorada
Ai que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ter
Você tem que me fazer
Um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porque
E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você
Os seus olhos tem que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem de ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois - Vinicius de Moraes

sábado, 13 de março de 2010

Retribuição - PARTE VIII

Vários estágios de angústia caracterizaram os meses seguintes. Primeiro, a dor de ser rejeitado na cama. Em seguida, o fato de vivermos dizendo para nós mesmo que aquela situação era temporária - que era acompanhado pelas minhas tentativas de ser compreensivo e paciente. Lembro-me de que, certa vez, quando era estudante, fracassei na cama com uma colega de turma porque ela me lembrava minha tia Alzira. (A tal garota nada tinha a ver com a cara de esquilo de minha tia, mas a idéia de fazer sexo com a irmã da minha mãe me embananou por completo.) Eu sabia o que Connie estava passando, o que não impedia que a frustração sexual ficasse a cada dia mais avassaladora. 
Depois de algum tempo, meu autocontrole passou a expressar-se em observações sarcásticas e ligeiras ansiedades de botar fogo na casa. Mesmo assim, continuei tentando não degringolar e procurando preservar o que, sob outros aspectos, era um bom relacionamento com Connie. Minha sugestão de que ela consultasse um psicanalista entrou-lhe e saiu-lhe pelas orelhas, como se, pelo fato de ser judeu, eu lhe tivesse sugerido uma ideologia exótica oriunda de Viena.
''Por que não procura outras mulheres?'', ela dizia ''O que mais posso oferecer?''
''Não preciso de outras mulheres. Amo você''
''E eu amo você. Você sabe. Mas não consigo ir para cama com você.''
Realmente, eu não fazia o gênero de quem saia comendo todo mundo porque, apesar de minha antiga obsessão pela sua mãe, nunca tinha traído Connie. Claro, claro, já havia experimentado fantasias a respeito de umas e outras mulheres ao acaso - uma atriz aqui, outra garçonete ali, e até mesmo alguma antiga colega de olhos esbugalhados -, mas nunca teria sido capaz de ser infiel ao meu amor. Tinha conhecido nesse ínterim mulheres bem agressivas, algumas inclusive predatórias, mas mantivera-me leal a Connie. E duplamente até, naquele período em que ela se confessava impotente. Naturalmente que me ocorreu voltar à carga de Emily, a quem continuava vendo, com ou sem a companhia de Connie, mas sentia que avivar a brasa que, com tanto custo, eu conseguira fazer dormir, só iria tornar ainda mais miserável.
Isto não quer dizer que Connie me tenha permanecido absolutamente fiel. Não. A triste verdade é que, pelo menos em algumas ocasiões, ela andou sucumbindo diante de estranhos, prevaricando com atores, escritores, etc.
"O que você quer que eu diga?'', ela admitiu certa madrugada, quando a flagrei em contradição numa série de álibis. ''Só faço isso para ter certeza de que não estou definitivamente brocha, de que ainda sou capaz de gostar de sexo.''
''Quer dizer que você gosta de sexo com todo mundo, menos comigo?'', repliquei furiosos, roído por sentimentos de injustiça.
''Isso mesmo. Você me lembra meu irmão.''
''Chega dessa asneira. Não quero mais saber disso.''
''Eu disse a você para procurar outras mulheres.''
''Tentei evitar, mas agora estou vendo que vou ter de fazer isso.''
''Por favor. Não evite. É uma maldição sobre nós'', ela soluçou.
Era mesmo uma maldição. Porque, quando duas pessoas se amam e são forçadas à separação devido a uma aberração quase cômica, o que mais pode ser? Era inegável que a causa tinha sido o meu íntimo relacionamento com sua mãe. Talvez eu estivesse me achando muito gostoso ao pensar que podia deslumbrar e comer Emily Chasen, depois de já ter papado sua filha.
Um espanto: eu, Harold Cohen, um homem que nunca na vida se considerara superior aos batráquios, via-se crucificado por excesso de lubricidade! Difícil de acreditar, mas era verdade. E, por isso, eu e Connie nos separamos. Penosamente, continuamos amigos, mas seguimos nossos caminhos, cada qual por si. É verdade que apenas dez quarteirões nos separavam e nos falávamos todos os dias, mas a relação acabara. Só então me dei conta de quanto tinha adorado Connie. Lembrei-me de nossos melhores mementos, das incríveis horas de sexo que tínhamos vivido e, na solidão do meu apartamento, cheguei a chorar. Tentei sair com várias garotas, mas, inevitavelmente, tudo parecia sem sentido. O desfile de tietes ou de secretárias em volta de minha cama era ainda mais vazio do que passar a noite com um bom livro. O mundo inteiro era para mim um lugar chato e desesperante para viver - até que , um dia...

Woody Allen ''Fui expulso da faculdade por colar na prova de metafísica; eu olhei para a alma do garoto sentado ao lado.''

sexta-feira, 12 de março de 2010

Retribuição - PARTE VII

Como se diz no cinema, cortem par alguns meses depois. Connie já não conseguia fazer sexo comigo. Por quê? Eu mesmo toquei no assunto, como se fosse o trágico protagonista de uma tragédia grega. Nossa vida sexual tinha começado a ratear havia algumas semanas.
"O que aconteceu?'', perguntei. ''Que que eu fiz?''
''Os, meu Deus, não é sua culpa. Merda.''
''Então, o quê? Me diga!''
''Não sei, só sei que não estou com vontade. Temos de fazer sexo toda noite?'' O que ela queria dizer com toda noite não passava de algumas vezes por semana e, ultimamente, muito menos do que isso.
''Não quero'', ela dizia, cheia de culpa, quando eu tentava demonstrar minhas péssimas intenções. ''Você sabe que não estou numa boa?'', eu insistia, incrédulo. ''Está saindo com mais alguém?''
''Claro que não.''
''Ainda me ama?''
''Antes não te amasse.''
''Então, qual é o grilo? Por que está desse jeito?
''Não sei. Só sei que não consigo trepar com você'', ela confessou certa noite. ''Você me lembra o meu irmão.''
''O quê?''
''Você me lembra Danny. Não me pergunte por quê.''
''Seu irmão? Você está brincando.''
''Não.''
''Mas ele tem 23 anos! É louro, bonito pra cacete, trabalha no escritório de advocacia do seu pai, e eu faço você se lembrar dele?''
''Sei lá, é como ir para a cama com ele'', ela soluçou.
''Está bem, está bem, não chore. Tudo vai terminar bem. Vou tomar uma aspirina e me deitar. Não estou me sentindo bem.''
Levei as mãos à cabeça, como se fosse vítima de uma enxaqueca, mas era óbvio até para mim que meu forte relacionamento com sua mãe tinha feito com que Connie passasse a me ver de modo bastante fraternal. O destino ajustava as contas com o locutor que lhe fala. Eu seria torturado como Tântalo, tão próximo do corpo dourado e macio de Connie Chasen, mas impossibilitado de tocá-la, excerto se - pelo menos até então - pronunciasse o clássico ''Pô!''. Dentro daquela absolutamente irracional que se desenha na maioria das relações humanas, eu tinha me tornado pouco mais do que o irmãozinho dela.

Woody Allen ''Odeio a realidade, mas é o único lugar onde se pode comer um bom filé.''

quinta-feira, 11 de março de 2010

Definitivo.

Definitivo, como tudo o que é simples: nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram. Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas; por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade. Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar. Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender. Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada. Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar. Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz. Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: se iludindo menos e vivendo mais! A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento,perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional... - Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 10 de março de 2010

Retribuição - PARTE VI

Campanhas passadas e bem-sucedidas sugeriram-me imediatamente a estratégia a seguir. Eu iria levá-la ao Trader Vic's, um covil polinésio de delícias, com sua iluminação sugestiva, cantinhos mocós e bebidinhas aparentemente suaves, mas que despertavam como um vulcão a mais adormecida libido. Uma ou duas doses de Mai Tai e ela estaria madura para o abate. Uma mão em seu joelho. Um beijo súbito e molhado. Dedos entrecruzados. A bebida milagrosa faria sua mágica infalível. Nunca tinha falhado no passado. Mesmo que a vítima, tomada de sobressalto perguntasse que diabo eu estava tentando fazer, sempre se podia recuar graciosamente, pondo a culpa nos efeitos do demônio do álcool.
''Perdão'' - era um bom álibi -, ''acho que fiquei alterado pela bebida. Não sabia o que estava fazendo.''
É isso mesmo. Chega de papo furado, pensei. Estou apaixonado por duas mulheres, e não há nada de anormal nisso. Que importa se são mãe e filha? Maior ainda o desafio! Eu estava ficando histérico. Só que, bêbado de autoconfiança como estava naquele momento, devo confessar que as coisas não saíram exatamente como eu planejei.
Sim, fomos ao Trader Vic's numa tarde fria de fevereiro. Ficamos nos olhando nos olhos um tempão e dizendo coisinhas um para o outro, enquanto sorvíamos copos e copos daquela bebida branca e espumante - mas ficou por aqui mesmo. E isto aconteceu porque, apesar de já desbloqueado para ir até o fim, senti que a coisa destruiria completamente Connie. Foi mais a minha consciência de culpa - ou, digamos, meu retorno a sanidade - que me impediu de depositar minhas mãos sobre o joelho de Emily e concretizar minhas intenções abjetas. A súbita certeza de que eu estava apenas fantasiando loucamente e que, na realidade, amava Connie e nunca poderia me arriscar a feri-la, acabou por me derrotar. É isso aí: Harold Cohen era um tipo mais convencional do que ele próprio gostaria de admitir. E mais apaixonado por sua garota do que queria fazer crer. Esse tesão por Emily Chasen teria de acabar e ser esquecido. Por mais penoso que me fosse controlar meus impulsos pela mãe de Connie, a razão e a decência teriam de prevalecer.
Após uma tarde maravilhosa, que deveria ter sido coroada por flamejantes beijos nos grandes e convidativos lábios de Emily, pedi a conta e dei por encerrado o assunto. Saímos rindo do bar, caminhamos pela neve e, depois de levá-la até seu carro, observei-a sumindo no fim da rua, em direção à casa, enquanto eu voltava para sua filha com uma nova e profunda sensação de calor pela mulher que, toda noite, partilhava a minha cama. A vida é mesmo um caos - pensei. Os sentimentos são tão imprevisíveis. Como uma pessoa consegue ficar casada durante 40 anos? Para mim, isso parecia um milagre ainda maior do que a divisão do Mar Vermelho, embora meu pai, na sua ingenuidade, considere essa última façanha muito mais impressionante. Chegando em casa, beijei Connie apaixonadamente, confessei-lhe todo o meu amor e, naturalmente, fomos direto para a cama.

Woody Allen "Não despreze a masturbação - é fazer sexo com a pessoa que você mais ama.''

Meu amor...

''Meu amor,
Eu nem sei te dizer quanta dor
Mesmo a noite não sabia
O que o amor escondia

Minha vida,
Que fazer com minha alma perdida
Foi um raio de ilusão
Bem no meu coração
E veio com tudo
Dissabor e tudo
Veio com tudo
Dissabor e tudo

Eu sei,
Eu não sei viver sem ela
Assim, um simples talvez me desespera
Ninguém pode querer bem sem ralar
Na há nada o que fazer
Amar é tudo.''

30 meses, meu amor. ♥

segunda-feira, 8 de março de 2010

Triunfo!



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Piada marota!

Retribuição - PARTE V

Nos dias seguintes, dei um jeito de ver Emily Chasen muitas vezes. Geralmente, saíamos inocentemente a três, com Connie e eu indo encontrá-la lna cidade e vevando-a a um museu ou concerto. Uma ou duas vezes, saí sozinho com Emily, quando Connie estava ocupada. Connie adorava saber que sua mãe e seu namorado se davam tão bem. E outras poucas vezes encontrei-me ''por acaso'' com Emily, no que acabávamos dando um passeio ou tomando um drinque fora do programa. Discutíamos música, literatura, vida, essas coisas, e ela parecia adorar minhas observações.
Era óbvio que a idéia de me considerar como algo mais do que um amigo não lhe passava nem remotamente pela cabeça. E, se lhe passasse, ela não dava a menor bandeira. Nem podia ser de outro jeito. Eu estava vivendo com sua filha. Coabitando honoravelmente numa sociedade civilizada, em que certos tabus ainda são observados. E, afinal de contas, quem eu achava que ela era? Uma vamp amoral, saída de algum filme alemão, capaz de seduzir o amante de sua própria filha? Na verdade, eu perderia todo o respeito por ela, caso confessasse qualquer sentimento a meu respeito ou tomasse atitudes menos do que impecáveis. Tudo bem - só que eu estava a fim dela. Tinha-lhe uma estima sincera e, por mais que pareça contraditório, rezava por uma pista de que seu casamento não fosse tão perfeito quanto parecia, ou que, por mais que ela disfarçasse, estivesse fatalmente atraída por mim. Havia ocasiões em que eu considerava a idéia de fazer qualquer lance mais agressivo, mas, imediatamente, manchetes dos jornais de crime me vinham à cabeça e eu abandonava a idéia.
Claro que vivia angustiado, querendo desesperadamente explicar esses sentimentos confusos a Connie, para que ela me ajudasse a sair honrosamente dessa embrulhada - mas, não sei por quê, a idéia de fazer isso também me cheirava a carnificina. Assim, em vez de assumir a atitude de um verdadeiro homem, preferia continuar farejando pistas sobre os sentimentos de Emily a meu respeito.
"Levei sua mãe para ver a exposição de Matisse'', disse a Connie certo dia.
''Eu sei. Ela adorou.''
''Que mulher de sorte. Parece ser tão feliz. Tem um casamento ótimo.'' "Não é?'' Pausa.
''Ahn - quer dizer, ela te disse alguma coisa?''
''Disse que vocês bateram um ótimo papo depois, sobre as fotos dela.''
''Foi.'' Pausa. ''Disse mais alguma coisa? Sobre mim? Quer dizer, será que não tomei demais o tempo dela?''
''Oh, não. Ela te adora.''
"É mesmo?''
''Com Danny passando cada vez mais tempo com papai, ela te vê quase como um filho.''
''Filho?'', exclamei, atônito.
''Acho que ela gostaria de ter tido um filho que se interessasse pelo trabalho dela, como você. Alguém mais chegado à cultura do que Danny, mais sensível às suas necessidades artísticas. Acho que você lhe preenche essa carência.''
Claro que fiquei de mau humor aquela noite e, enquanto via televisão com Connie, meu corpo ardia para se enroscar apaixonadamente no daquela mulher que, aparentemente, não via em mim mais do que o seu filho. Ou não? Não seria essa uma opinião infundada de Connie? Será que Emily não acharia um barato descobrir que um homem, muito mais jovem do que ela, achava-a bonita, sensual, fascinante, e estava louco para ter com ela um caso que nada tinha de filial?
Será que uma mulher da sua idade, principalmente com um marido que não estava nem ai para seus desejos mais profundos, não aceitaria emocionada a atenção de um admirador apaixonado? Não estaria eu também sendo traído pela minha mentalidade de classe média, achando que ela se importaria com o fato de eu estar vivendo com sua filha? Afinal, essas coisas vivem acontecendo, principalmente entre os mais bem-dotados artisticamente. Tinha que dar um jeito naquilo e por um fim àqueles sentimentos que já estavam atingindo as proporções de uma obsessão. A situação estava me corroendo as entranhas. Por isso resolvi que ou iria agir ou iria tirar aquela mulher de minha cabeça. 
Decidi agir.

Woody Allen "Meu único arrependimento da vida é o de não ser outra pessoa.''

domingo, 7 de março de 2010

Quando o sol bater na janela do te quarto

Até bem pouco tempo atrás,
Poderíamos mudar o mundo,
Quem roubou nossa coragem?
Tudo é dor, e toda dor vem do desejo de não sentimos dor. (...) - Renato Russo.

Retribuição - PARTE IV

Connie e eu nos juntamos ao churrasco, realmente animadíssimo. Fui apresentado a todos da família, um a um, à medida que eles iam chegando com seus amigos, e embora a garotinha Lindsay fosse realmente tudo que Connie havia dito - linda, charmosa, engraçada - não a preferi a Connie. Das duas, sentia-me ainda muito mais atraído pela mais velha. A mulher pela qual perdi irremediavelmente a cabeça naquele dia foi nada menos que a fabulosa mãe de Connie - Emily. 
Emily Chasen, 55 anos, robusta, bronzeada, rosto decidido, cabelos grisalhos, penteados para trás, e curvas firmes e suculentas que se expressavam com a leveza de um Brancusi. Sexy Emily, cujo sorriso largo e claro e riso franco e forte criavam à sua volta uma aura de calor e sedução irresistíveis!
Que protoplasma, os desta família! - pensei. Que produção em série de genes premiados! E coerentes também, já que Emily Chasen parecia sentir-se tão à vontade comigo quando sua filha. Parecia-me óbvio que ela curtia a minha presença, deixando que eu a monopolizasse, a despeito da presença de tantos outros hóspedes. Discutimos fotografia (seu hobby) e literatura. Ela estava lendo (e adorando) um livro de Joseph Heller. Estava achando-o engraçadíssimo e, enquanto enchia meu copo, dizia: ''meu Deus, vocês judeus são tão exóticos!''.
Exóticos? Ela devia conhecer os Greenblats. Ou o casal Shapstein, amigo de meu pai. Ou meu primo Tovah. Aquilo, sim, é que é exótico. Isto é, se pode ser considerado exótico alguém que vive dando conselhos a respeito da melhor maneira para combater a indigestão ou a que distância se deve sentar da televisão.
Emily e eu falamos horas sobre cinema, sobre minha vontade de escrever para teatro e sobre colagens. Era óbvio que aquela mulher tinha muitas aspirações criativas e intelectuais, as quais, por alguma razão, ainda não conseguira realizar. No entanto, parecia também que não tinha queixas da vida, já que seu marido, John Chasen - uma versão mais velha do homem que você gostaria de ver comandando seu avião -, viviam aos beijos e abraços, rindo e bebendo. Para dizer a verdade, em comparação com os meus pais, que tinham continuado inexplicavelmente casados durante 40 anos, Emily e John podiam ser comparados a Lynn Fontanne e Alfred Lunt. Meu pai e minha mãe, por sua vez, não conseguiam sequer discutir a temperatura sem se lançarem numa série de acusações mútuas, que quase os fiziam atirar-se às carótidas um do outro.
Quando chegou a hora de voltarmos para casa, eu me senti cheio de sonhos sobre Emily e não conseguia tirá-la da cabeça.
''São uns doces, não são?'', perguntou Connie, quando chegávamos a Manhatan.
''Muito'', concordei.
''Papai não é um tesão? Acho-o uma graça.''
''Hmmm.'' A verdade é que eu não tinha chegado a trocar dez frases com o pai de Connie.
"E mamãe estava fantástica hoje. Melhor do que há muito tempo. Ela andou gripada ultimamente.''
"É. Ela é uma coisa'', eu disse.
"As fotos e colagens que ela faz são muito boas também'', disse Connie. ''Gostaria que papai a incentivasse mais, em vez de ser tão careta. Mas essas coisas criativas nunca fizeram o gênero dele."
''Uma pena'', eu disse. ''Espero que não venha sendo muito frustrante para ela esse tempo todo.''
''Mas tem sido. E Lindsay? Não e apaixonou por ela?''
''Ela é uma delícia - mas não chega aos seus pés. Pelo menos, na minha opinião.''
''Estou mais aliviada agora'', riu Connie, dando-me um bislicão na bochecha. Supremo verme que eu era, não podia confessar-lhe, é claro, que era sua mãe que eu desejava ver de novo. Mas, enquanto dirigia, minha cabeça piscava e fazia bips como um computador, tentando bolar esquemas para desfrutar um pouco mais aquela maravilhosa mulher. Se você me perguntar aonde eu esperava que aquilo tudo iria levar, confesso que não fazia a menor idéia. Só sei que, enquanto dirigia por aquela noite de outono, tinha a impressão de que, em algum lugar, Freud, Sófocles e Eugene O'Neill deviam estar morrendo de rir.

Woody Allen "Eu era muito moço para ter um carro, então transava com as garotas no banco de trás da minha bicicleta.''

Cantiga da Ausente

Se eu ando assim tão triste
Tão cheio de langor
É porque nada existe
Para mim sem meu amor

Ela está tão longe, tão longe
Que nem sei
E o seu olhar tão lindo
Não pode nem me ver

E as suas mãos morenas
Já nem podem me acenar
E só me resta a esperança
De ver o meu amor voltar

Com os seus cabelos negros
E a sua graça pequenina
E a sua ternura linda
E o seu gosto de mim

Como ela me dizia
feliz a soluçar
Eu te amo tanto
Que já nem sei mais - Vinicius de Moraes, meu carrasco.

sábado, 6 de março de 2010

Chega de Saudade

Vai, minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer

Chega de saudade
A realidade e que sem ela
Não há paz, não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai (...) - Vinicius de Moraes


Pior que a saudade, é quando torna-se, também, penúria.

Retribuição - PARTE III

Meu Deus - pensei - e se Lindsay for mesmo essa maravilha? E se for tão irresistível como Connie a descreve? Será que vou resistir? Do jeito que sou, a fragrância do corpo e a incrível cabeça de uma garota chamada Lindsay (mas logo Lindsay!) não desviarão de minha paixão por Connie em busca de algo ainda mais fresco? Afinal, só conhecia Connie há umas seis semanas e, embora tudo estivesse mais do que ótimo entre nós, não me sentia perdidamente apaixonado por ela. O fato é que Lindsay teria de ser qualquer coisa inacreditável para perturbar a torrente de luxúria que tinha me tornado um inquilino do paraíso naquele último mês e meio.
Naquele noite, fiz amor com Connie mas, quando dormi, foi Lindsay, quem habitou meus sonhos. Delícia de Lindsay, com seu cérebro de superdotada, rosto de estrela de cinema e charme de princesa. Virei, mexi  e acordei de madrugada com um estranho sentimento de excitação e de algo proibido.
Pela manhã minhas fantasias se acalmaram e, logo depois do café, Connie e eu fomos para o churrasco em Connecticut, levando vinhos e flores. Revesamo-nos na direção, ouvindo Vivaldi na FM e trocando nossas observações sobre as últimas novidades sobre o caderno de artes e espetáculos do New York Times. E, então, momentos antes de cruzarmos o portão de entrada da propriedade dos Chasens, imaginei mais uma vez se não estava prestes a pirar pela tal irmã de Connie. 
"O namorado de Lindsay também foi convidado?'', perguntei, fazendo um falsete cheio de culpa.
"Não, terminaram", disse Connie. "Lindsay não os agüenta por mais de um mês. Eles ficam alucinados demais."
Hmmm - pensei -, como se não bastasse, a moça está disponível. Será que ela é mesmo mais incrível do que Connie? Achava difícil acreditar nisso, mas, por via das dúvidas, tratei de me preparar para qualquer eventualidade. Qualquer uma - excerto, naturalmente, a que me ocorreu naquela fria e azulada tarde de domingo.

Woody Allen ''Você viverá cem anos se desistir de todas as coisas que o fazem querer viver até os cem anos.''

sexta-feira, 5 de março de 2010

Retribuição - PARTE II

As quatro semanas seguintes foram o paraíso. Connie e eu nos explorávamos ao fundo e nos deliciamos com cada descoberta. Ela era brilhante, excitante e deslumbrante; tinha uma imaginação fértil e suas referências eram eruditas e variadas. Era capaz de discutir Gramsci e citar pensadores hindus. Letras de Cole Porter? Sabia todas de cor. E, na cama, era desinibida, topava tudo - um autêntico espécime do futuro. Seria preciso ser absolutamente do contra para descobrir-lhe qualquer defeito. É verdade que ela costumava ser um pouquinho temperamental. Tinha o hábito de mudar de idéia nos restaurantes, depois de já feito o pedido há mais de 20 minutos. E, naturalmente, não gostava quando eu argumentava que isso não era exatamente justo para com os garçons ou o chef. Tinha também a mania de mudar diariamente de dieta, dedicando-se a cada uma com fanático fervor para trocá-la por outra no dia seguinte, apenas porque esta última estava em moda.
Não que Connie tivesse a mais remota grama em excesso - ao contrário! Seu corpo devia matar de inveja a mais bela modelo do Vogue, mas um complexo de inferioridade só comparável ao de Franz Kafka fazia-a debater-se com uma gigantesca autocrítica. Quem a ouvisse falar acharia que não passava de uma idiota balofa que nada tinha a ver com essa história de atriz, e muito menos interpretando Tchekhov. Continuei incentivando-a moderadamente, mesmo sabendo que, se o desejo que ela me despertava não era aparente pela maneira como eu fitava com adoração o seu corpo e o seu cérebro, nada que eu dissesse seria suficiente. 
Por volta da sexta semana do nosso relacionamento, sua insegurança chegou ao ápice. Seus pais iriam oferecer um churrasco, na sua fazenda em Connecticut, e finalmente eu iria  conhecer toda a sua família.
"Papai é um tesão", ela disse, suspirando, ''além de ser gênio. Mamãe também é linda. E seus pais?" 
''Bem, eu não diria exatamente lindos", admiti. Na realidade, eu não fazia uma idéia muito boa da aparência física de minha família, geralmente comparando os parentes de minha mãe a alguma coisa parecida com a família Adams. Não que não fôssemos íntimos e não nos gostássemos - apenas vivíamos brigando o tempo todo. Em toda a minha vida, não me lembro de um membro da família ter feito qualquer referência elogiosa a qualquer outro - tento chegado a suspeitar, certa ver, que isso vinha desde o tempo em que Deus fez aquele acordo com Abraão.
"Meus pais nunca brigam", disse Connie. "Podem ficar um pouquinho altos, mas são sempre carinhosos. E Danny também é ótimo." Irmão dela. "Quero dizer, meio louco, mas ótimo. Faz música."
"Estou ansioso para conhecer todos eles."
'' espero que não se apaixone por minha irmã caçula, Lindsay."
"Ora, ora..."
"Ela é dois anos mais nova que eu, brilhante e sensual. Todo mundo fica doido por ela.''
"Puxa, parece uma coisa!'', exclamei. Connie me deu um tapa no rosto. 
"Bem, não se atreva a gostar mais dela do que de mim", disse meio rindo, como se só assim pudesse expressar seu temor com graciosidade.
"Se eu fosse você, não me preocuparia", assegurei-lhe. 
"Promete?''
"Vocês são assim tão competitivas?"
''Não. Nos adoramos. Mas ela tem um rosto de anjo e um corpo que vou de contar! Puxou à mamãe. Sem falar num Q.I. que mais parece um placar de basquete, além de um fantástico senso de humor.''
''Você é linda!'', eu disse, beijando-a. Mas devo admitir que, pelo resto daquele dia, fantasias a respeito de Lindsay Chasen, uma gracinha de 21 anos, não saíam da minha cabeça.

Woody Allen "O mundo divide-se em pessoas boas e pessoas más. As pessoas boas têm um sono tranqüilo. As pessoas más aproveitam bem mais as horas em que estão acordadas."

quinta-feira, 4 de março de 2010

Os Indomáveis.

Veterano da Guerra Civil Americana e vivendo com sua família em um rancho que sofre com a seca: Dan Evans é um rancheiro sem sorte. Amputado, endividado, desrespeitado e sem alternativa para garantir a sobrevivência própria e de sua esposa e filhos, Dan aceita a missão de levar o temido fora-da-lei Ben Wade até uma cidade vizinha onde passará o trem para o tribunal em Yuma, às 3:10 - daí o nome original do filme.  


James Mangold na certa teve a honra - e o talento - de dirigir o melhor filme de Velho Oeste da primeira década deste século. Infelizmente, não podemos dizer que há grande concorrência por tal título. Em seus anos dourados, as filmes de Velho Oeste renderam tantos cartazes que permitem aos mais desavisados pensar em um período da história americana que teria durado séculos, e não apenas os seus trinta e poucos anos. Nas décadas de 50, 60 e 70 os filmes de bangue-bangue eternizaram, além de clássicos do cinema, nomes como os de John Ford e John Wayne, Howard Hawks e, entre tantos, o icônico Clint Eastwood. Mas, atualmente, conta-se nos dedos os lançamentos deste gênero, e, com poucas novidades, Os Indomáveis corresponde às expectativas.
Entre todos os tipos de filmes, os de faroeste são os mais exigentes. Não bastar tem um orçamento milionário, ou talentosos diretor e roteirista: precisa-se dos dois. Ver tiroteios, balas para todos os lados não agrada os amantes do gênero; faz-se necessário um bom diretor para dosar as cenas de ação com ausência ou excesso de tiros para não cansar o público, e um ótimo roteirista para livra o filme dos clichês que assombram as histórias. O filme conta cenas de ação bem elaboradas, porém, para aqueles que não se contentam apenas com tiros e corpos pelo chão, possui também um roteiro bem engenhado, trazendo boas surpresas e um final espetacular. O único e imenso desastre no filme é o nome que recebeu no Brasil, claramente de interesses comerciais, forçando apologia ao grande sucesso de público e crítica Os Imperdoáveis da década anterior, não tendo o nome escolhido nada em comum com o desfecho da história. 
Os Indomáveis revisa, após  cinqüenta anos, a história do clássico Galante e Sanguinário, mais memorável, romântico e épico; Christian Bale está ótimo no papel principal junto à atuação impecável de Russell Crowe (o gênio de Uma Mente Brilhante e Gladiador) fazendo justiça aos ídolos Van Heflin e Glenn Ford, respectivamente, que viveram os personagens na década de 50.
Se não fosse por alguns modernismos, apropriados ou não, Os Indomáveis entraria para o seleto grupo de grandes produções que encataram, - e ainda encantam - parte da história do cinema, porém, com duas indicações ao Oscar, revive o gênero de maneira exemplar, mantendo-o vivo; certamente fará novos fãs do bom e velho Velho Oeste.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Retribuição - PARTE I

O fato de que Connie Chasen tenha correspondido à minha inevitável atração por ela a primeira vista deve ser considerado uma coisa inédita na história de West Side de Nova York. Se quiserem uma pálida descrição da gatona, só posso dizer que, com aquele corpo, alta, loura, atriz quase profissional, inteligentíssima e com um agudo senso de humor, superado apenas pelo tesão úmido e sinuoso que cada curva do seu corpo despertava, ela era o insuperável objeto der desejo de todos os homens da festa. E as maças do seu rosto! Que ela tenha se interessado justamente por mim - Harold Cohen, esquálido, narigudo, 24 anos, fanho e com remotas aspirações a dramaturgo - era tão absurdo quanto minha avó ter óctuplos. É verdade que costumo dizer algumas coisas engraçadas e sou capaz de sustentar uma conversação sobre uma vasta gama de assuntos, mas não deixei de ficar surpreso quando aquele monumento fixou-se tão rápida e completamente em meus dotes insignificantes.
"Você é adorável", ela me disse, depois de uma hora de enérgicos carinhos encostado a uma estante, "Vai me telefonar um dia?''
"Telefonar? Se pudesse, iria para casa com você agora!"
"Hmmm, que bom", ela sorriu, tipo coquete. "Sabe que achei que você não estava me dando a mínima?"
Fiz um ar de quem achava aquilo muito natural, enquando meu sangue era bombeado através das veias até que alguns hectolitros se concentraram no meu rosto. Como era de se esperar, corei - um velho hábito. 
"Você é fantástica!" eu disse, fazendo-a enrubescer de modo ainda mais incandescente. Na realidade, ainda não me sentia pronto para ser aceito assim tão imediatamente. Minha agressiva investida sobre ela era só uma tentativa a fim de preparar o terreno para o futuro - para que, quando eu efetivamente mencionasse a palavra cama, digamos, alguns dias depois, a coisa não soasse surpreendente nem violasse nenhuma das leis de Platão. O fato é que, apesar de minhas cautelas, sentimentos de culpa e grilos, aconteceu naquela noite mesmo. Connie Chasen e eu tínhamos nos entregado um ao outro de tal jeito que todos os bodes se dissiparam e, uma hora depois, executávamos um soberbo balé sob lençóis, seguindo apenas a coreografia da paixão. 
Para mim, foi sexualmente a noite mais erótica e satisfatória que eu já experimentara e, enquanto ela repousava nos meus braços, plena e relaxada, eu me perguntava o que o Destino me reservava em troca de tanto prazer. Ficarei cego? Paraplégico? Que hercúleas tarefas seriam atribuídas a Horald Cohen para que o cosmo pudesse continuar vivendo em harmonia? Que pelo menos demorasse um pouco...

Woody Allen "A loucura é relativa, quem pode definir o que é verdadeiramente são ou insano?''

Nada com eu e você.

Meu celular desperta: são 5:45! Tenho que ligar a certa garota, dar-lhe bom dia e agradecer-lhe por existir. Meio acordado, meio dormindo, à escuridão quarto, minhas mãos vagam vazias pelas sombras: onde está a droga do celular? Tenho que me levantar, acender a luz, procurar pelo chão até encontrar o danado de baixo da cama: 5:50! Não! Ela já deve ter acordado! Ligo uma, duas, três vezes... Não dá certo! Não deu certo? Quê? Não... Não, não, não. Meu celular está sem sinal! Não poderei acordá-la? Ah! Queria apenas poder dizer que a amo e como a desejo ao meu lado. Não sei, talvez, ser presunçoso e acreditar que o meu simples bom dia tornará o dia dela melhor, ou, ao menos, fará com que ela o encare mais sorridente. Conformo-me (mentira!), mas não volto a dormir. Fico deitado, olhando para o teto ou, para o que quer que seja que estiver na minha frente... Sem o bater da alvorada, não sei o que há ali além de mim. Não, sei sim! Escuridão, silêncio, pensamentos ciganos e um telefone celular que não faz ligações. Belo conto de fadas, não? Enquanto conversava com a Fada dos Dentes, algumas perguntas me surgiam: será que ela já se levantou? O que está fazendo neste instante? Teve bons sonhos? Está sorrindo? Estava sorrindo? Estará sorrindo? Ficou triste por que eu não liguei? Sem poder responder por meu esforço, e sem sinal no celular, busco perguntas as quais poderia responder: quantas horas? 06:06! O relógio sempre assim! Sempre à nossa maneira e não há nada como eu e você, pensei. Sorri, ao lembrar o sorriso dela. E, de repente, estranhamente, mas que vontade escutar músicas! Celular de novo, do lado, Nova Brasil FM no rádio, liguei no mesmo instante que anunciava a próxima música, do Leoni, nomeada de forma que ainda não acredito: tem gente que se desespera com aplicações e rendimentos, outras são quase histéricas com a arrumação do apartamento; tem gente que passa o tempo todo agradando a gregos e baianos, dando satisfação aos vizinhos e vive se controlando; tem gente que passa o dia fazendo séries de exercícios, enlouquecido na academia, com cada milímetro de bíceps; tem gente que faz fofoca, e cheira, e pira e jura que é Deus! Tem gente que enche a cara, tem gente que nunca pára. Por quê? Porque eles nunca tiveram, nem irão ter nada como eu e você.