quarta-feira, 3 de março de 2010

Retribuição - PARTE I

O fato de que Connie Chasen tenha correspondido à minha inevitável atração por ela a primeira vista deve ser considerado uma coisa inédita na história de West Side de Nova York. Se quiserem uma pálida descrição da gatona, só posso dizer que, com aquele corpo, alta, loura, atriz quase profissional, inteligentíssima e com um agudo senso de humor, superado apenas pelo tesão úmido e sinuoso que cada curva do seu corpo despertava, ela era o insuperável objeto der desejo de todos os homens da festa. E as maças do seu rosto! Que ela tenha se interessado justamente por mim - Harold Cohen, esquálido, narigudo, 24 anos, fanho e com remotas aspirações a dramaturgo - era tão absurdo quanto minha avó ter óctuplos. É verdade que costumo dizer algumas coisas engraçadas e sou capaz de sustentar uma conversação sobre uma vasta gama de assuntos, mas não deixei de ficar surpreso quando aquele monumento fixou-se tão rápida e completamente em meus dotes insignificantes.
"Você é adorável", ela me disse, depois de uma hora de enérgicos carinhos encostado a uma estante, "Vai me telefonar um dia?''
"Telefonar? Se pudesse, iria para casa com você agora!"
"Hmmm, que bom", ela sorriu, tipo coquete. "Sabe que achei que você não estava me dando a mínima?"
Fiz um ar de quem achava aquilo muito natural, enquando meu sangue era bombeado através das veias até que alguns hectolitros se concentraram no meu rosto. Como era de se esperar, corei - um velho hábito. 
"Você é fantástica!" eu disse, fazendo-a enrubescer de modo ainda mais incandescente. Na realidade, ainda não me sentia pronto para ser aceito assim tão imediatamente. Minha agressiva investida sobre ela era só uma tentativa a fim de preparar o terreno para o futuro - para que, quando eu efetivamente mencionasse a palavra cama, digamos, alguns dias depois, a coisa não soasse surpreendente nem violasse nenhuma das leis de Platão. O fato é que, apesar de minhas cautelas, sentimentos de culpa e grilos, aconteceu naquela noite mesmo. Connie Chasen e eu tínhamos nos entregado um ao outro de tal jeito que todos os bodes se dissiparam e, uma hora depois, executávamos um soberbo balé sob lençóis, seguindo apenas a coreografia da paixão. 
Para mim, foi sexualmente a noite mais erótica e satisfatória que eu já experimentara e, enquanto ela repousava nos meus braços, plena e relaxada, eu me perguntava o que o Destino me reservava em troca de tanto prazer. Ficarei cego? Paraplégico? Que hercúleas tarefas seriam atribuídas a Horald Cohen para que o cosmo pudesse continuar vivendo em harmonia? Que pelo menos demorasse um pouco...

Woody Allen "A loucura é relativa, quem pode definir o que é verdadeiramente são ou insano?''