segunda-feira, 8 de março de 2010

Retribuição - PARTE V

Nos dias seguintes, dei um jeito de ver Emily Chasen muitas vezes. Geralmente, saíamos inocentemente a três, com Connie e eu indo encontrá-la lna cidade e vevando-a a um museu ou concerto. Uma ou duas vezes, saí sozinho com Emily, quando Connie estava ocupada. Connie adorava saber que sua mãe e seu namorado se davam tão bem. E outras poucas vezes encontrei-me ''por acaso'' com Emily, no que acabávamos dando um passeio ou tomando um drinque fora do programa. Discutíamos música, literatura, vida, essas coisas, e ela parecia adorar minhas observações.
Era óbvio que a idéia de me considerar como algo mais do que um amigo não lhe passava nem remotamente pela cabeça. E, se lhe passasse, ela não dava a menor bandeira. Nem podia ser de outro jeito. Eu estava vivendo com sua filha. Coabitando honoravelmente numa sociedade civilizada, em que certos tabus ainda são observados. E, afinal de contas, quem eu achava que ela era? Uma vamp amoral, saída de algum filme alemão, capaz de seduzir o amante de sua própria filha? Na verdade, eu perderia todo o respeito por ela, caso confessasse qualquer sentimento a meu respeito ou tomasse atitudes menos do que impecáveis. Tudo bem - só que eu estava a fim dela. Tinha-lhe uma estima sincera e, por mais que pareça contraditório, rezava por uma pista de que seu casamento não fosse tão perfeito quanto parecia, ou que, por mais que ela disfarçasse, estivesse fatalmente atraída por mim. Havia ocasiões em que eu considerava a idéia de fazer qualquer lance mais agressivo, mas, imediatamente, manchetes dos jornais de crime me vinham à cabeça e eu abandonava a idéia.
Claro que vivia angustiado, querendo desesperadamente explicar esses sentimentos confusos a Connie, para que ela me ajudasse a sair honrosamente dessa embrulhada - mas, não sei por quê, a idéia de fazer isso também me cheirava a carnificina. Assim, em vez de assumir a atitude de um verdadeiro homem, preferia continuar farejando pistas sobre os sentimentos de Emily a meu respeito.
"Levei sua mãe para ver a exposição de Matisse'', disse a Connie certo dia.
''Eu sei. Ela adorou.''
''Que mulher de sorte. Parece ser tão feliz. Tem um casamento ótimo.'' "Não é?'' Pausa.
''Ahn - quer dizer, ela te disse alguma coisa?''
''Disse que vocês bateram um ótimo papo depois, sobre as fotos dela.''
''Foi.'' Pausa. ''Disse mais alguma coisa? Sobre mim? Quer dizer, será que não tomei demais o tempo dela?''
''Oh, não. Ela te adora.''
"É mesmo?''
''Com Danny passando cada vez mais tempo com papai, ela te vê quase como um filho.''
''Filho?'', exclamei, atônito.
''Acho que ela gostaria de ter tido um filho que se interessasse pelo trabalho dela, como você. Alguém mais chegado à cultura do que Danny, mais sensível às suas necessidades artísticas. Acho que você lhe preenche essa carência.''
Claro que fiquei de mau humor aquela noite e, enquanto via televisão com Connie, meu corpo ardia para se enroscar apaixonadamente no daquela mulher que, aparentemente, não via em mim mais do que o seu filho. Ou não? Não seria essa uma opinião infundada de Connie? Será que Emily não acharia um barato descobrir que um homem, muito mais jovem do que ela, achava-a bonita, sensual, fascinante, e estava louco para ter com ela um caso que nada tinha de filial?
Será que uma mulher da sua idade, principalmente com um marido que não estava nem ai para seus desejos mais profundos, não aceitaria emocionada a atenção de um admirador apaixonado? Não estaria eu também sendo traído pela minha mentalidade de classe média, achando que ela se importaria com o fato de eu estar vivendo com sua filha? Afinal, essas coisas vivem acontecendo, principalmente entre os mais bem-dotados artisticamente. Tinha que dar um jeito naquilo e por um fim àqueles sentimentos que já estavam atingindo as proporções de uma obsessão. A situação estava me corroendo as entranhas. Por isso resolvi que ou iria agir ou iria tirar aquela mulher de minha cabeça. 
Decidi agir.

Woody Allen "Meu único arrependimento da vida é o de não ser outra pessoa.''

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