sábado, 13 de março de 2010

Retribuição - PARTE VIII

Vários estágios de angústia caracterizaram os meses seguintes. Primeiro, a dor de ser rejeitado na cama. Em seguida, o fato de vivermos dizendo para nós mesmo que aquela situação era temporária - que era acompanhado pelas minhas tentativas de ser compreensivo e paciente. Lembro-me de que, certa vez, quando era estudante, fracassei na cama com uma colega de turma porque ela me lembrava minha tia Alzira. (A tal garota nada tinha a ver com a cara de esquilo de minha tia, mas a idéia de fazer sexo com a irmã da minha mãe me embananou por completo.) Eu sabia o que Connie estava passando, o que não impedia que a frustração sexual ficasse a cada dia mais avassaladora. 
Depois de algum tempo, meu autocontrole passou a expressar-se em observações sarcásticas e ligeiras ansiedades de botar fogo na casa. Mesmo assim, continuei tentando não degringolar e procurando preservar o que, sob outros aspectos, era um bom relacionamento com Connie. Minha sugestão de que ela consultasse um psicanalista entrou-lhe e saiu-lhe pelas orelhas, como se, pelo fato de ser judeu, eu lhe tivesse sugerido uma ideologia exótica oriunda de Viena.
''Por que não procura outras mulheres?'', ela dizia ''O que mais posso oferecer?''
''Não preciso de outras mulheres. Amo você''
''E eu amo você. Você sabe. Mas não consigo ir para cama com você.''
Realmente, eu não fazia o gênero de quem saia comendo todo mundo porque, apesar de minha antiga obsessão pela sua mãe, nunca tinha traído Connie. Claro, claro, já havia experimentado fantasias a respeito de umas e outras mulheres ao acaso - uma atriz aqui, outra garçonete ali, e até mesmo alguma antiga colega de olhos esbugalhados -, mas nunca teria sido capaz de ser infiel ao meu amor. Tinha conhecido nesse ínterim mulheres bem agressivas, algumas inclusive predatórias, mas mantivera-me leal a Connie. E duplamente até, naquele período em que ela se confessava impotente. Naturalmente que me ocorreu voltar à carga de Emily, a quem continuava vendo, com ou sem a companhia de Connie, mas sentia que avivar a brasa que, com tanto custo, eu conseguira fazer dormir, só iria tornar ainda mais miserável.
Isto não quer dizer que Connie me tenha permanecido absolutamente fiel. Não. A triste verdade é que, pelo menos em algumas ocasiões, ela andou sucumbindo diante de estranhos, prevaricando com atores, escritores, etc.
"O que você quer que eu diga?'', ela admitiu certa madrugada, quando a flagrei em contradição numa série de álibis. ''Só faço isso para ter certeza de que não estou definitivamente brocha, de que ainda sou capaz de gostar de sexo.''
''Quer dizer que você gosta de sexo com todo mundo, menos comigo?'', repliquei furiosos, roído por sentimentos de injustiça.
''Isso mesmo. Você me lembra meu irmão.''
''Chega dessa asneira. Não quero mais saber disso.''
''Eu disse a você para procurar outras mulheres.''
''Tentei evitar, mas agora estou vendo que vou ter de fazer isso.''
''Por favor. Não evite. É uma maldição sobre nós'', ela soluçou.
Era mesmo uma maldição. Porque, quando duas pessoas se amam e são forçadas à separação devido a uma aberração quase cômica, o que mais pode ser? Era inegável que a causa tinha sido o meu íntimo relacionamento com sua mãe. Talvez eu estivesse me achando muito gostoso ao pensar que podia deslumbrar e comer Emily Chasen, depois de já ter papado sua filha.
Um espanto: eu, Harold Cohen, um homem que nunca na vida se considerara superior aos batráquios, via-se crucificado por excesso de lubricidade! Difícil de acreditar, mas era verdade. E, por isso, eu e Connie nos separamos. Penosamente, continuamos amigos, mas seguimos nossos caminhos, cada qual por si. É verdade que apenas dez quarteirões nos separavam e nos falávamos todos os dias, mas a relação acabara. Só então me dei conta de quanto tinha adorado Connie. Lembrei-me de nossos melhores mementos, das incríveis horas de sexo que tínhamos vivido e, na solidão do meu apartamento, cheguei a chorar. Tentei sair com várias garotas, mas, inevitavelmente, tudo parecia sem sentido. O desfile de tietes ou de secretárias em volta de minha cama era ainda mais vazio do que passar a noite com um bom livro. O mundo inteiro era para mim um lugar chato e desesperante para viver - até que , um dia...

Woody Allen ''Fui expulso da faculdade por colar na prova de metafísica; eu olhei para a alma do garoto sentado ao lado.''

Um comentário:

Marília Lage. disse...

Um dia... '-'
Quê? Posta mais, ok. UHAHUAHUA.